terça-feira, 4 de dezembro de 2012

As religiões evangélicas vem conquistando cada vez mais espaço no país


Ao se adaptar às necessidades locais da sociedade brasileira, as religiões evangélicas vem conquistando cada vez mais espaço no país. Em dezembro, a Revista de História aborda em artigos e reportagem aspectos da ‘fé que seduz o Brasil’.
 
Colonizado e cristão, miscigenado e avesso a Revoluções, o Brasil evangélico adapta a crença em seus mitos fundadores e difunde um protestantismo que pretende conquistar o mundo.
 
Ao final dos anos de 1950, Nelson Rodrigues tornou conhecida a expressão “complexo de vira-latas” para falar da suposta inferioridade a que o brasileiro se colocava diante do mundo. Tratava-se, naquela ocasião, de uma crônica sobre futebol, mas funcionaria durante muito tempo como um deboche do atraso brasileiro, o país do eterno futuro, cheio de potencialidades naturais e de “cordialidade”, mas incapaz de resolver seus problemas mais antigos como o analfabetismo e a fome.

Coincidência ou não, entre os anos 50 e 70, a população evangélica daria uma salto de quase 70% em relação ao período anterior, acompanhada pela modernização conservadora durante a ditadura militar, e pela explosão mundial de movimentos sociais em defesa da liberdade de expressão, dos direitos das minorias e da negação da guerra. Um por um, os temas da agenda social brasileira e mundial foram gradualmente incorporados à pregação protestante tradicional: o pastor abre as portas da Igreja como as de sua própria casa, possui a autoridade de um pai ao acolher o cidadão mais desamparado pelo Estado e pela sociedade; oferece-lhe uma família para pertencer, eventualmente emprego e orgulho próprio, e um objetivo de vida, uma missão: mostrar ao mundo o caminho da salvação.
 
 
 
Primeiros evangélicos da Assembleia de Deus de Goiânia. 1936.
 
Podia ter dado certo ou não, como ocorre igualmente nos processos históricos e na vida, mas em fins da década de 1980, a redemocratização no Brasil e a vitória do capitalismo no mundo, contribuíram com importantes ferramentas: a legítima liberdade de crença religiosa, o livre acesso aos meios de comunicação e a consolidação do modelo liberal de sociedade de massa: cada um por si e pelos seus.
 
Contudo, o Espírito Santo, ou para os mais céticos, o senso de realidade e de oportunidade de alguns pastores e igrejas escapou à observação restrita às fronteiras e à conjuntura, e enxergou o impacto da fragmentação global. Conflitos étnicos, desemprego generalizado e a desarticulação da família tradicional não desfrutam mais da opção dos projetos revolucionários, o Estado tornou-se autoridade menos capaz com o aprofundamento da globalização, e a política é hoje um terreno cada vez mais desacreditado pelos jovens. Nascidas no dia a dia da batalha que cada fiel pentecostal trava com a realidade brasileira, explicada pela demonização de seus mais diversos reversos, as igrejas evangélicas oferecem à América Latina, Ásia e África uma nova utopia. Sem revoluções, imposição ou violência, elas agem pela conversão e crescem sempre de baixo para cima, raramente seduzem as elites nos primeiros encontros, misturam com alguma facilidade a sua fé aos aspectos mais tradicionais das igrejas predominantes, e transformam a religião em uma identidade conquistada e vencedora, pois que escolhida para levar a palavra de Deus aos incrédulos.
 
Na África e na América Latina, as proximidades da língua parecem ajudar no crescimento das igrejas brasileiras, sempre associadas a outros elementos, específicos em cada país. Pesquisadores apontam que nessas regiões os cultos são realizados em proporção de 40% na língua local, e 60% em português, atraindo também os grupos de imigrantes brasileiros.
 
Na Argentina, é possível que as sucessivas crises econômicas, somadas ao desgaste no orgulho das classes médias, contribuam para uma aceitação das igrejas bem maior do que no Chile, onde o catolicismo ainda é profundamente identificado com uma distinção de classe. Bolívia, Peru e México apresentam um índice de crescimento pentecostal marcadamente entre as populações indígenas, para as quais há um trabalho direcionado por parte de algumas igrejas, e minuciosamente acompanhado pela SEPAL (Servindo aos pastores e líderes), missão internacional que avalia e difunde o crescimento evangélico no Brasil há mais de 30 anos. No site da instituição/Rede é possível ter acesso às chamadas “missões transculturais”, cujos objetivos variam de acordo com as regiões de destino e a formação dos missionários. Estes, são atualmente cerca de 600 e incluem teólogos, professores, antropólogos, administradores, entre muitos outros espalhados por quase 70 países do globo.
 
A motivação mais comum a levar essas pessoas para lugares tão distantes de suas raízes é a “batalha espiritual”: cada povo não cristão seria vitima de um tipo de demônio como a pobreza, a violência, a exclusão, o neocolonialismo, o desemprego, a solidão, etc. Mas entre os horrores contemporâneos, existe ainda uma hierarquia que alça ao seu topo o islamismo e as religiões orientais. Daí a existência da chamada “Janela 10-40”; segundo a qual a maior concentração de pessoas do globo terrestre que ainda não “encontrou Jesus” localiza-se no retângulo que se estende da África ocidental através da Ásia, entre os graus 10 e 40 a norte do equador, incluindo o bloco muçulmano e o bloco budista, ou seja, bilhões de pessoas à espera da conversão.
 
Ao que é possível obter de informações nos sites das igrejas como a Universal do Reino de Deus, e em pesquisas acadêmicas variadas, as missões são estudadas com bastante antecedência por uma comissão que visita o país ou região de destino e elabora uma espécie de dossiê avaliando as probabilidades de sucesso, a legislação local, os trâmites relacionados à existência jurídica da Igreja e, sobretudo, a cultura local. Contexto nacional, linguagem apropriada, classes e modos de vida específicos, localização ideal dos templos com vias de acesso e sem concorrências, compra ou preferencialmente o aluguel de um imóvel com as proporções adequadas, arrecadamento estimado dos dízimos... A fé evangélica é também uma empresa de porte multinacional, embora esteja longe de se reduzir a isso.
 
Movidas especialmente pela adesão global de populações pobres, com baixos graus de instrução, não-brancas, jovens, e mulheres, tudo indica que essas igrejas buscam e produzem fieis cada vez mais diferentes entre si, marcados por histórias nacionais e individuais muito particulares, parecidos com a sociedade em que vivem mas, ao mesmo tempo, sensíveis a um discurso que universaliza sentimentos velhos conhecidos do povo brasileiro.
 
Desde a síndrome de vira latas criada por Nelson Rodrigues, até a opressão sentida pelas tribos indígenas latino-americanas, agora fortalecidas pelo poder eleitoral dos evangélicos, a exclusão social, no caso dos imigrantes nos Estados Unidos, e a diversidade, marca de nossa identidade histórica e cultural, agora oferecida aos russos, aos chineses, e aos países muçulmanos mais radicais... Não sem algum custo, é claro.
 
Para conhecer o discurso, o impacto cultural e religioso, e as estratégias utilizadas pelas igrejas evangélicas no Brasil e no mundo, leia o dossiê “Evangélicos, a fé que seduz o Brasil", capa da Revista de História do mês de dezembro.

 

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