sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Suicídio e pastorado: dores e sofrimentos à beira do precipício

Não se pode falar em uma causa, mas múltiplas causas para que alguém deseje não mais viver, e não necessariamente, morrer.

“O que se esconde atrás do seu olhar, nesse lugar onde o meu olhar não pode penetrar, o que se esconde atras do teu sorrir, nesse lugar onde o mentir, não pode enganar….” (Sergio Pimenta)
A música antiga do Grupo Semente volta e meia retorna à minha memória. Em especial quando novamente recebo a noticia de mais um suicídio entre pastores e pastoras. Os mais de 30 anos de escuta de consultório não amenizam o que sinto nesta hora: uma profunda tristeza.
Os casos antes mais esporádicos ou não noticiados, agora são frequentemente colocados na mídia e tem abalado a Igreja no Brasil, gerando desde sinceras manifestações de pesar até falas desrespeitosas e insensíveis.
O suicídio está entre as três maiores causa de morte entre pessoas com idade entre 15-35 anos. [1]
Segundo o historiador israelense Yuval Noah Harari, se antes a humanidade sofria baixas consideráveis que dizimavam a população, a vida moderna consegue dar lugar a obesidade e diabetes, que tem matado mais que as pestes, fome e guerras de antigamente. Nunca se produziram tantos programas de culinária, que são assistidos por milhares de pessoas.
O instinto do prazer é exercido em todas as formas de consumo, e vive-se cada vez mais de forma utilitária e narcisista.
Lembro de uma vez quando estava ministrando palestras sobre o Cuidado aos Cuidadores e o Cuidado de Si numa grande denominação evangélica. Perguntei para quem os pastores ali presentes poderiam ligar tarde da noite, se estivessem precisando de ajuda. O pastor presidente depois me confidenciou: “acho que eu não tenho realmente para quem ligar”.
Um homem invejado por sua posição, poder e bens materiais mas que não tem amigos que se importam e apenas esperam seu resvalo, uma pena!
A Bíblia relata casos de suicídio, sem julgar os envolvidos. Saul, Aitofel (conselheiro de Davi) e Judas são exemplos, além de Sansão, que curiosamente, aparece como um dos heróis da fé (Hebreus 11:32).
Não se pode falar em uma causa, mas múltiplas causas para que alguém deseje não mais viver, e não necessariamente morrer.
Dentre algumas causas possíveis estão o adoecimento psíquico. O suicídio pode se mostrar desde a exposição a situações de perigo deliberadas até como adições. Pastores e pastoras viciados em drogas, álcool, jogos, pornografia ou ativismo religioso, entre outras coisas, mostram o adoecimento e fuga da realidade. Longe de execrar, é necessário cuidar.
A depressão, mais do que palavra da moda, é um adoecimento que rouba as energias, podendo variar da melancolia e da distimia, aos casos onde é preciso intervenção, medicação e ou internação psiquiátrica[2]. Sabemos, contudo, que nem toda depressão leva ao suicídio, felizmente, e há muitos recursos e tratamentos disponíveis.
O esgotamento ou exaustão (burnout) [3] é mais uma das causas de desistência da vida, e aparece mais nas profissões de Relação de Ajuda. Dados oficiais dos EUA,[4] onde foram feitas pesquisas, dão conta que o pastorado está numa faixa das profissões mais perigosas. Paul Tripp, pastor e professor de Aconselhamento escreveu seu livro “Vocações Perigosas” e tem trabalhado com pastores ao redor do mundo, numa perspectiva mais teológica.
No Brasil temos algumas pesquisas mais especificas (Lotufo, [5] Becker,[6] Kühnrich de Oliveira, [7] entre outros), que aliam além de aspectos espirituais as causas sociais, culturais, físicas e emocionais.
Além das questões mais pessoais, ligadas ao emocional, físico, ou espiritual do pastor ou pastora, estão as causas sociais, econômicas, culturais e eclesiais que geram sofrimento e desistência. Peter Scazzero em seus livros tem mostrado bastante desta realidade, que se esconde sob o iceberg cruel que transformou igrejas em empreendimentos de poderio econômico e status social. Não é de admirar portanto, que muitos adoeçam física, emocional e espiritualmente.
Quando a vida é um peso imenso, a opção de deixar de sofrer acena como uma sedutora possibilidade de escape.
Intrigas eclesiais somadas a uma forte idealização da vida pastoral e conflitos (conjugais, familiares, relacionais) acabam gerando questionamentos existenciais, filosóficos e espirituais que se não compartilhados e acolhidos, podem armar “arapucas mentais” que reduzem as possibilidades de olhar além.
A agonia parece superar em muito qualquer possibilidade de vida. Importante conversar sobre o tédio, a náusea e o vazio que os cercam muitos que estão passando por este tipo de provação.
Muitas denominações já estáo trabalhando ou implantando mentorias ou esquemas de suporte, visando trabalhar estas questões.
Muitas vezes intercedi em oração por pastores e pastoras, para que tivessem forças para encontrar uma razão para viver. Se tiver amigos e amigas nestas condições, ore, converse. Importe-se. São nossos irmãos e irmãs.
por Roseli Kühnrich / via gospelprime.com.br
[2] O Dr. Francisco Lotufo Neto, em sua tese de doutorado “Psiquiatria e religião: a prevalência de transtornos mentais entre ministros religiosos”, observou que a depressão é o transtorno mental mais freqüentemente diagnosticado entre ministros (pastores) religiosos. Sinopse da pesquisa disponível AQUI 
[3] Oliveira, Roseli M. Kühnrich de. Cuidando de quem Cuida, um olhar de cuidados aos que ministram a Palavra de Deus. Grafar, 2014, 4a. Edição.
[4] Segundo o relatório da Clergy Health Initiative (CHI), os pastores com depressão chegaram a 8,7%, e os casos de ansiedade a 11,1%. A média das demais profissões para ambos os casos (nos Estados Unidos) é de 5,5%.
[5]  LOTUFO NETO, F. Psiquiatria e religião. A prevalência de transtornos mentais entre ministros protestantes.  Tese. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1977.
[7] Oliveira, Roseli M. Kühnrich de. Cuidando de quem Cuida, um olhar de cuidados aos que ministram a Palavra de Deus. Grafar, 2014, 4a. edição.

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