sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Evangelistas em fogo.

Ricardo Gondim

I Coríntios 9.16-27.


Introdução.

Não há nada mais encantador que uma grande mensagem. Nada mais invejável do que um homem sendo usado poderosamente nas mãos do Espírito Santo. Nada mais intrigante do que observar um vasto auditório cativo, magnetizado, sob o poder da pregação do Evangelho. Uma espécie de encanto, de “maravilhamento” transforma aquela experiência em um instante mágico.

Eu daria tudo para estar na Galiléia e ouvir o mais magistral de todos os sermões, e ouvir Cristo introduzir sua mensagem com a frase: Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o Reino dos Céus.

Invejo os companheiros de Paulo quando saudou os atenienses diplomaticamente, afirmando: Em tudo os vejo religiosos. Acredito que até um leve cicio de vento se ouviu naquele lugar.

Gostaria de anonimamente sentar-me no vasto auditório do London Hall para ouvir Spurgeon, sentir-me-ia privilegiado de ser membro da igreja de Peter Marshall gostaria de ouvi-lo todos os domingos. Viajaria no tempo e no espaço para sentar-me ao pé do memorial de Lincoln e ouvir Martin Luther King Jr, com a voz altiva, com o dedo em riste e um olhar sereno, desafiando os norte americanos a sonhar, O refrão repetia-se como música: I have a dream.

Lembro-me com nostalgia e em alguns casos, com lágrimas, de um tempo não muito remoto em que o Caio Fábio movia auditórios com raciocínios claros e profundos. Não posso esquecer do Geziel Gomes, pregador pentecostal da Assembléia de Deus, deixando um auditório de mais de dez mil pessoas arrepiado e valente só na sua saudação.

A paixão pelo púlpito vem desvanecendo. Jovens seminaristas hoje orientam seus ministérios à gestão administrativa de suas congregações. Cursos, seminários, congressos florescem por todos os lados, ensinando como fazer sua igreja funcionar melhor, como motivar as pessoas para liderarem, etc. Poucos ou nenhum seminário sobre o Púlpito, sobre o anúncio profético da Palavra, sobre o poder da pregação ungida.

Creio que nenhum método de crescimento da igreja será bem sucedido sem um púlpito forte. Nenhuma igreja será mais bem sucedida do que os critérios com que se encara o exercício homilético.

Percebe-se uma insatisfação generalizada na igreja de nossos dias quanto à pregação. A pobreza de nossos púlpitos está estampada na miséria espiritual de nossos membros. A pregação perdeu-se em abstrações, vem sendo sepultada lentamente com jargões, monotonamente repete-se com fórmulas homiléticas.

Pastores e evangelistas são muito mais promotores do que tribunos, mais administradores do que expositores. Estamos mais à cata de fórmulas que façam nossa igreja crescer do que ser arautos da verdade, pregoeiros da justiça. Temos mais pessoas especialistas em entretenimento e condutores de “louvorzão” do que em grandes pregadores.

Sermões são aguados com Ilustrações, frases prontas enfraquecem nossos conteúdos, Pastores contentam-se com jargões que nada transmitem senão uma falsa esperança.

Faltam-nos os grandes pregadores, estamos em uma crise de grandes príncipes da pregação. Eu mesmo tenho sede de ouvir grandes mestres do púlpito. Gente que saiba abrir as escrituras e, sob uma inspiração rica e poderosa no Espírito saiba alimentar a minha alma. Talvez, estejamos sucumbindo ao imediatismo de nossas época. Procuramos métodos rápidos porque talvez saibamos intuitivamente que a arte da pregação leva muito tempo.

E.M. Bounds afirmou:

“Um homem, um homem inteiro, é o que há por detrás de um sermão. Pregar não é fazer uma apresentação de uma hora, mas o fluir de uma vida. Leva vinte anos para ser fazer um sermão, porque leva vinte anos para se fazer um homem.”


Como necessitamos de Pregadores que à semelhança de Pedro deixe o seu auditório compungido, apunhalado no coração.

Arautos que, á semelhança de Paulo, deixe os reis e príncipes boquiabertos, pasmos, dizendo: Por pouco não me persuades a também me tornar um cristão.

Pregadores que saibam combinar a
riqueza da oratória com a urgência profética.
A lógica do raciocínio com a paixão evangelística.
A doçura da poesia com a fidelidade exegética.
A agilidade da intuição com a contemplação meditativa.
A beleza da arte humana da oratória com o mistério da revelação divina.

O capítulo 9 de I Coríntios 9 trata da defesa apostólica de Paulo. A igreja de Corinto estava em ponto de ruptura. Os ânimos vinham acirrados, as posições encasteladas, os desvios éticos racionalizados, os desvios doutrinários bem confusos. Sua carta tem um tom duro, e devido a esse tom duro com que escreve, necessita mostrar que sua motivação não busca vanglória. Insiste que não está movido por qualquer espírito messiânico, mas por que ele foi tomado por uma santa compulsão de pregar o evangelho. Ele inicia o capítulo estabelecendo sua missão apostólica e sua autoridade. V.1 e 2. Segue mostrando que tem direito de requerer suporte financeiro para continuar pregando o evangelho 3-14. Corajosamente afirma que abriu mão desse direito de receber qualquer compensação financeira. V. 15-18. Demonstra sua fidelidade aos seus propósitos e como se conduziu. V. 19-23. Termina ressaltando o porquê de sua fidelidade. V. 24-27.


O versículo 16 é chave na compreensão deste capítulo:

“Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho.”

Todo pregador que estiver tomado pela santa compulsão de pregar o evangelho:

1. Luta para ser livre. V. 14-15.
Paulo deixa claro que o exercício do seu ministério estava livre. Ele não tinha respeitos humanos. Não havia satisfações a facções, a grupos que o mantivessem sob um patrulhamento doutrinário.

O evangelista que foi pregar em uma igreja. Não fale contra bingo e loteria porque vamos fazer uma rifa na próxima semana. Não fale contra o envolvimento da igreja na política porque teremos eleição na próxima semana, nossa igreja recebeu um dinheiro de um político. Por favor, não fale contra a maçonaria, temos alguns bons maçons na igreja. E contra o quê vou falar então? Fala contra judeu, não temos nenhum aqui.

Ser livre para pregar conforme a Palavra, preparar-se sem ter que dar satisfação a um grupo que pode mirrar o meu salário. Mais, o que pode fazer a minha igreja crescer. Pregar sem ter que agradar o meu auditório. Falar como arauto de Deus. Ouvir Deus, no preparo da mensagem como ouviu Ezequiel:

“Ele me disse: Filho do homem, eu te envio aos filhos de Israel, às nações rebeldes que se insurgiram contra mim; eles e seus pais prevaricaram contra mim, até precisamente ao dia de hoje. Os filhos são de duro semblante e obstinados de coração; eu te envio a eles, e lhes dirás. Assim diz o Senhor Deus. Eles, quer ouçam quer deixem de ouvir, porque são casa rebelde hão de saber que esteve no meio deles um profeta. Tu, ó filho do homem, não os temas, nem temas as suas palavras, ainda que haja sarças e espinhos para contigo, e tu habites com escorpiões; não temas as suas palavras, nem te assustes com o rosto deles, porque são casa rebelde. Mas tu lhes dirás as minha palavras, quer ouçam quer deixem de ouvir, pois são casa rebelde. Ez. 2.3-7.

Ninguém pode negar que na igreja moderna dinheiro é a causa de maior ansiedade entre os pastores. Interessante. O que nos perturba mais, era o que menos perturbava a igreja primitiva.

Uma outra força que conspira contra o preparo do pregador é o desejo de ser famoso, bem sucedido. A pregação deixa de ser um meio e passa a ser um fim em si mesma. Um enorme desejo de galgar na estrutura denominacional. De rebentar, de acontecer.

“Ter nome de pregador, ou ser pregador de nome não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o mundo...Antigamente convertia-se o mundo, hoje, porque se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras em obras, são tiro sem bala; atroam, mas não ferem. Pe. Antônio Vieira.

Simone Weil – Morreu aos trinta e três anos de idade. Intelectual francesa, preferiu trabalhar em fazendas e fábricas para se identificar com a classe trabalhadora. Quando os exércitos de Hitler invadiram a França, ela fugiu para se juntar aos franceses livres em Londres, onde morreu. Sua tuberculose se complicou por causa da desnutrição que a acometera. Ela se recusava a comer mais do que seus conterrâneos recebiam em suas rações diárias por estarem sob ocupação nazista. Como seu único legado, esta judia que aceitou a Cristo deixou em diários e notas esparsas um denso registro de alguém que viveu sem cabrestos:

“Não me incomodava em não possuir qualquer sucesso visível, o que mais me importunava era a idéia de estar excluída de um reino transcendental ao qual somente os grandes têm acesso e onde habita a verdade.”

Creio que um dos exercícios mais difíceis de devolvermos a criatividade aos nossos púlpitos consiste em aprender a pensar com autonomia.

A história dos homens como um todo nada mais é, de qualquer sorte, que uma longa luta até a morte pela conquista do prestígio universal e do poder absoluto. Em sua essência, ela é imperialista. Estamos longe do bom selvagem do século XVIII e do Contrato Social.” Albert Camus.

“Para muitos é difícil aceitar a realidade do relacionamento entre revolta e religião. Na religião não são os fanáticos ou os mais fiéis ao status quo que recebem a glória final. São os rebeldes. Lembremo-nos de quantas vezes na história da humanidade santo e rebelde foram uma só pessoa. Sócrates foi um rebelde e o condenaram a tomar cicuta. Jesus foi um rebelde, e o crucificaram. Joana D’Arc foi rebelde e a queimaram na fogueira. Contudo essas pessoas, e centenas de outras iguais a elas, desprezadas por seus contemporâneos, foram glorificadas e adoradas nos séculos seguintes por sua contribuição criativa à ética e à religião. Aqueles que chamamos de santos rebelaram-se contra um Deus, segundo a sua visão interior de divindade, tornara-se inadequado e obsoleto...A rebelião foi provocada por um novo conceito de divindade. Rebelaram-se como diz Paul Tilich, contra Deus, em nome do Deus além de Deus. A presença contínua do Deus além de Deus é a marca da coragem criativa, no campo da religião.” Rollo May.

2. Não permite que haja qualquer motivação dúbia. V 16-18.

Paulo deixa claro que a motivação é essencial no reino de Deus. Ele não está tão interessado no que fazemos mas nos porquês de nossas ações. A Palavra de Deus é viva e eficaz, exatamente porque consegue discernir as intenções do coração do homem.

“O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? É o conceito que de sua vida têm os ouvintes.” Pe. Antônio Vieira.


O duque La Rochefoucauld: “Nós estamos tão acostumados a nos disfarçar dos outros que acabamos nos disfarçando de nós mesmos.”

O alerta Machadiano em Dom Casmurro: “Quantas intenções viciosas há assim que embarcam, a meio caminho, numa frase inocente e pura.” Mas o mesmo narrador admite que esse vício é tenebroso para a sua própria alma: “Mas o que pudesse dissimular ao mundo, não podia fazê-lo a mim, que vivia mais perto de mim do que ninguém.”

Quando dois oficiais do Exército da Salvação mandaram uma carta para o General Booth perguntando o que fazer. Que já tinham tentado todos os métodos, ele respondeu: Agora tentem as lágrimas.



3. Ser culturalmente relevante. V.19-22.
Devemos ler como exercício do pensar. Precisamos aprender a pensar por nós mesmos. Descansar a mente, afirmava Lloyd Jones, é ler algo diferente.


A agenda de João Wesley

Segundas e Terças – Grego, História romana e Literatura.
Quartas – Lógica e Ética.
Quintas – Hebraico e Árabe.
Sextas – Metafísica e Filosofia Natural.
Sábado – Composição de Oratória e Poesia.
Domingos – Divindade.

Ainda encontrava tempo para estudar Francês, estudos de Matemática, e ainda conduzia experimentos em Ótica.

Spurgeon dizia: Hoje em dia estamos praguejados com um bando de sujeitos que acham de firmar-se sobre a cabeça e de pensar com os pés.

Temos ainda o texto de Giberto Freyre, citado por Robson Cavalcanti na Revista Ultimato de Julho/Agosto de 2000.

“ O protestantismo brasileiro gera gramáticos, e não literatos.”

Robson Cavalcanti, emenda:

“Por faltar-nos a liberdade para criar, a liberdade para a arte que reflete o humano e a vida com suas ambigüidades, sendo os romances evangélicos transformados em apenas outra forma e sermão, com personagens estereotipados e final previsível.”

O que ler? Qual a nossa sintonia cultural? Tenho medo de estarmos tentando responder perguntas que ninguém mais faz e sem resposta para novas perguntas que vêm sendo feitas.


4. Não ser messiânico. V.23

Ele queria apenas ter o privilégio de ser participante do evangelho. Não era ele que provocava o avanço do evangelho, ele caminhava soberano.

O cemitério está cheio de gente imprescindível. Precisamos saber combinar ousadia com auto-crítica, arrojo com companheirismo, excelência com eforço.


5. Ser consistente. V.24-27.

Ele reconhece que a consistência de vida é mais importante que os conteúdos homiléticos.

“Cada qual sussurre consigo mesmo no íntimo de sua alma: ‘Que coisa terrível seria para mim, se eu ignorasse o poder da verdade que me estou preparando para proclamar.’ Um pastor destituído da graça é semelhante a um cego eleito professor de ótica, que faz filosofia sobre a luz e a visão comentando e distinguindo para os outros os belos sombreados e as delicadeas combinações das cores prismáticas, quanto ele mesmo está absolutamente em trevas. É um mudo elevado à cátedra de ópera, um surdo a falar sobre sinfonias e harmonias. Uma toupeira pretendendo criar filhotes de águias, um molusco eleito presidente de anjos.” Spurgeon.

Um velho amigo de Martin Lloyd Jones, já ancião, mas muito crítico, ouvindo dois pregadores, um extremamente lúcido mas seco e enfadonho, o outro exatamente o oposto espalhafatoso mas sem densidade bíblica, comentou: ‘Luz sem calor.’ Então, pregou o segundo: ‘Calor sem luz.’ Lloyd Jones, então completa afirmando: ‘Precisamos ter luz e calor, sermão e pregação. Luz sem calor jamais afetará a quem quer que seja; calor sem luz não tem valor permanente. No que consiste a pregação? Em lógica pegando fogo! Em raciocínio eloqüente! Em teologia em chamas.”

O que marcou o cristianismo primitivo? Línguas de fogo.



“ Recordem-se, como ministros, de que toda a sua vida, especialmente toda a sua vida pastoral, será afetada pelo vigor de sua piedade. Se o seu zelo se amortecer, vocês não orarão bem no púlpito, orarão pior no seio da família e pior ainda a sós, no gabinete pastoral. Quando a alma se empobrece, os seus ouvintes, sem que saibam como e por que, acharão que as suas orações, em público têm pouco sabor para eles. Sentirão a sua aridez antes que vocês percebam.” Spurgeon.

Quando Paulo fala das restrições sobre a separação, ordenação de obreiros, afirma que não podem ser neófitos. A pergunta é: Pode alguém ser um neófito mesmo sendo um teólogo erudito? Pode alguém ser um neófito, mesmo sendo um pregador com tantos anos de púlpito?

Quantas escolas teológicas têm oração como parte de seu currículo?

Posso ensinar-lhe em dez minutos como extrair um apêndice. Mas, ser-me-ão precisos quatro anos para lhe ensinar o que fazer se alguma der errado.

Falai de Deus

Falai de Deus com a clareza
Da verdade e da certeza
Com um poder

De corpo e alma que não possa
Ninguém, à passagem vossa,
Não o entender.

Falai de Deus brandamente,
Que o mundo se pôs dolente,
Tão sem leis.

Falai de Deus com doçura,
Que é difícil ser criatura:
Bem o sabeis.

Falai de Deus de tal modo
Que por ele o mundo todo
Tenha amor.

À vida e à morte, e, de vê-lo,
O escolha como modelo
Superior.

Com voz, pensamentos e atos
Representai tão exatos
Os reinos seus

Que todos vão livremente
Para esse encontro excelente.
Falai de Deus.

Cecília Meireles.

O que é unção? Não sei. Contudo, tenho certeza quando não a tenho.

Nenhum homem consegue ser maior que a profundidade de sua vida com Deus.

Término.

Rogai ao Senhor da Seara que mande obreiros, precisamos de excelentes missionários, melhores apologetas, mais profetas, bons pastores, mas a minha oração hoje é que sobretudo, ele mande mais e melhores pregadores do evangelho.

Duas vaquinhas pastavam à beira da estrada. Passou um caminhão de leite. Escrito na lateral do caminhão lia-se: Esterelizado, homogeneizado, enriquecido com vitaminas A e B, baixo teor de gordura: Uma olhou para outra e disse: Você não se sente às vezes meio incompetente? Com uma sensação de que é inadequada? NO meio desse mesmo sentimento é que meu coração clama: A começar em mim, levanta homens e mulheres afogueados e que saibam empunhar a espada do espírito com poder e arte.

Soli Deo Gloria.

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